PSG da França é um grande exemplo, o Catar usa o esporte para melhorar sua imagem perante o mundo. Mas o sportswashing também pode ser vistos para aliviar ditaduras, como no Brasil.
Sportswashing ou soft power são termos relativamente novos, porém o conceito é velho. Já foi chamado da política do pão e circo, com o esporte no papel do circo. Governantes investem no futebol e, com isso, desviam o foco de questões contraditórias de suas gestões.
O Catar é um bom exemplo de país que se utiliza desse soft power. O jornal americano The Wall Street Journal ilustra bem a “contradição surpreendente e perigosa: o Catar investe bilhões de dólares nos EUA e na Europa e depois reverte os lucros para apoiar o Hamas e grupos ligados à Al Qaeda. O Catar hospeda a base militar americana a partir da qual os EUA dirigem a guerra regional contra o extremismo, mas também possui redes de mídia responsáveis por incitar muitos dos mesmos extremistas.”
E agora, eu te pergunto, caro leitor: Vocês está mais por dentro dessa crise político-militar envolvendo o Catar ou que lá será sediada a próxima Copa do Mundo ou ainda que a equipe do Paris Saint-Germain foi comprada pela QSI (Qatar Sports Investment), um fundo de investimentos ligado ao governo do Catar, e seu CEO, Nasser Al-Khelaïfi, é o atual presidente do clube francês?
Essa forma de desviar o foco de polêmicas recebe o nome de sportswashing ou soft power.
Falando em Copa do Mundo, a Rússia também se utilizou do futebol, talvez não para disfarçar algum ponto negativo, mas sim para se promover. A tentativa de um contraponto ao marketing negativo que vemos na maioria dos filmes americanos, nos quais os vilões são sempre russos. A Rússia ao sediar um evento internacional desse porte, mostra ao mundo suas qualidades, arrecada muito dinheiro e, principalmente, atrai turistas num futuro próximo.
Essa limpeza de barra é recente?
A prática não é nova e ocorre também no Brasil. Um ótimo exemplo aconteceu com a Seleção Brasileira e a conquista do tricampeonato mundial em 1970. O sportswashing esteve presente em duas frentes simultâneas, a privada com o Planejamento México encabeçado por Moreira Salles e a frente pública, em que o governo tentava mostrar ao mundo a grandiosidade do Brasil durante a pior ditadura vivida.
Planejamento México
No auge da ditadura militar, tudo relacionado ao povo orbitava em torno do governo. A intenção do projeto empresarial era demonstrar que a iniciativa privada se preocupava com a Seleção, implicitamente, estavam combatendo a ideia de que o Estado era o único preocupado com os mais desfavorecidos.
Portanto, além de melhorar a imagem empresarial, pretendiam mostrar que o Poder Público poderia ser, muito bem, dispensável.
O objetivo encabeçado pelo banqueiro Salles era reunir empresários para investirem no selecionado brasileiro (a ideia de patrocínio no esporte era ainda muito incipiente) e ajudar, principalmente na preparação física dos jogadores.
Entretanto, claro que os empresários brasileiros se interessavam pela força política, econômica e simbólica da Seleção Brasileira. Tratava-se de uma estratégia de marketing, uma chance de se projetar em uma área pública, até então. Isto é, algo visto hoje como o sportswashing, já em 1970.
E como se deu a frente pública na Copa de 70?
Recomendo muito o vídeo – Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor – Brasil para melhor compreensão do período vivido, mas o soft power ocorrido era a tentativa do governo brasileiro de se promover e encobrir denúncias de tortura e abusos do regime ditatorial frente ao cenário mundial.

A ditadura se instaurou em 1964, mas foi com a criação do Serviço Nacional de Informação que, com uma rede de agentes secretos, o país se torna um Estado de Segurança Nacional, tudo era controlado pelo regime militar e, com isso, viram que o futebol, grande paixão do povo, deveria estar sob controle do Estado.
Com o AI-5 em 1968, a repressão violenta recrudesce. Com o futebol, não foi diferente, João Saldanha era o, então, técnico do selecionável e um dos mais vigiados e com essa vigilância, descobriram que ele se aproveitava de viagens internacionais para levar documentos ao exterior mostrando a violência da ditadura brasileira.
Conseguiram, aos poucos, minar a popularidade de João Saldanha, até que a CBD (antiga CBF), por livre e espontânea pressão do regime militar, o demitiu.
Zagallo, que na época treinava o Botafogo no centro de treinamento militar, acaba assumindo a seleção, com uma comissão técnica mista entre pessoas de fato técnicas, junto com pessoas diretamente ligadas à repressão e ao serviço de inteligência.
Major Guaranys, assumiu como chefe da segurança na comissão da Seleção, mas a segurança que ele garantia era que nada de ruim para o regime militar saísse de dentro da seleção para o mundo.
Com a perfomance brasileira no México e o tão esperado título conquistado, o governo brasileiro e o conglomerado de empresários atingiram seus objetivos.
Paixão nacional, povo eufórico, e isso serviu como legitimação do quão bom era o regime militar para fora do Brasil e, internamente, viu-se, talvez pela primeira vez, o círculo empresarial como ponto de apoio ao povo.
Conseguiram associar uma grande conquista no esporte para ofuscar a repressão, crueldade, tortura, espionagem e corrupção do pior e mais sangrento governo brasileiro. Nosso maior caso de sportswashing.